A CIDADE QUE EU CONHECI (II)
Vou continuar o meu passeio a pé pela cidade e as recordações são cada vez mais vivas, mais presentes. Resolvi ir até ao estádio de São Luís.
Lembrei então do sacrifício que era para conseguir entrar e assistir aos jogos no velhinho São Luís. O dinheiro era pouco e pagar a entrada era impensável.
Já era “crescidote” e apesar da boa vontade das pessoas que sempre diziam “vem comigo” o porteiro já nos conhecia de “ginjeira”.
Eis então que surge a “salvação da Pátria”; chamava-se Artur Quaresma e tinha acabado de ser contratado para treinar o Farense. Em boa hora criou a escola de jogadores, o que naquele tempo era uma inovação. E eu fui, apesar de ser mais um “perna de pau”, no entanto a “remuneração” era aliciante, nada mais nada menos, do que o direito a poder assistir aos jogos do Farense.
Ao Domingo meia hora antes dos jogos iniciarem, lá estavam as “vedetas”, em fila indiana, junto ao portão do lado do cemitério dos judeus. Havia sempre “infiltrados”, ou eram os que não tinham treinado na semana, ou ainda aqueles que nunca tinham treinado, mas quem dava a ordem para entrar era o treinador que tinha uma memória visual excelente e ninguém o enganava.
Depois vinha a suprema alegria de ver o nosso Farense.
Delirando com as jogadas do Rialito e do Campos, do José Maria e do Celestino, do central Ventura (que distribuía “fragatada” de partir as canelas dos mais distraídos), o Reina, o Alfredo e o Queimado, eram outras das referências. Todos eles comandados pelo Isaurindo na baliza, que não dava hipótese ao Rato de conseguir um lugar na equipa.
Recordei um jogo do Farense contra o Sporting, foi uma comemoração qualquer entre matriz e filial, que serviu para apresentação de uma nova vedeta do Sporting, imaginem quem?
O fabuloso, o incrível, o maior, a maior contratação de todos os tempos, sua majestade “o fura redes” de seu nome Mokuna. Um artista, que calçava 52 e que a única coisa que conseguiu foi um pontapé na bola, memorável ; a dita sobrevoou o bairro da lata e foi agitada, deter-se na carreira de tiro. Quer isto dizer que reportando este episódio à actualidade, a infeliz e maltratada bola teria ido parar ao hospital.
Mas não se pense que a escola de jogadores só servia para permitir a entrada de “borla” no futebol, ou que o objectivo era só esse, daquela fornada saíram alguns nomes de destaque, o Atraca, o Barão, o Calota e outros que a memória já não me ajuda a lembrar os seus nomes.
Infelizmente depois do Quaresma veio um tal Vieirinha, com uma filosofia completamente diferente e a formação deixou de ser prioridade.
Aproveitei a proximidade e fui ver o novo mercado. Durante alguns momentos fiquei olhando e relembrando a inauguração do antigo. Foi um acontecimento e se a memória não me falha, teve a participação da Dona Amália.
Contou-se na época um episódio, cuja veracidade não posso garantir, mas a história correu a cidade, dizia-se então:
Amália Rodrigues estaria na manhã seguinte ao espectáculo, sentada na esplanada do Café Aliança, quando se lhe dirigiu um mendigo pedindo esmola, retirou uma nota da carteira, dobrou-a e colocou na mão do mendigo. O pobre homem agradeceu e foi embora, sem ver o valor da oferenda.
Minutos depois regressou com a nota na mão e dirigindo-se a Amália disse-lhe:
- Desculpe mas a senhora enganou-se, deu-me 500$00! Ao que ela responde:
- Não me enganei não, são para si!
A ser verdade e eu acredito que sim, não sei o que mais admirar, se a generosidade da grande fadista, se a honradez do mendigo!
E fico por aqui hoje, penso que todos conhecem a música do angolano Bonga, “Uma lágrima no canto do olho” é assim que estou.
Voltarei outro dia se me deixarem.
Um forte abraço e um Santo e Feliz Natal, para todos os costeletas e respectivas famílias
António Viegas Palmeiro