terça-feira, 19 de janeiro de 2010



FUI À ESCOLA (II)


O toque para a entrada nas aulas era às 8 horas e 45 minutos da manhã.
O António José, de S. Braz, que estava hospedado na rua do Compromisso e era inseparável do Neves, um rapaz que desenhava muito bem e que morava no prédio da Recauchutagem Leopoldo, sito na Rua Aboim Ascensão à esquerda quando se sobe, em frente ao Largo do Carmo, era dos primeiros a chegar. Encostava o pé direito à parede e por ali ficava à espera da malta mas, sobretudo, o fito era ver as moças passar.

Antes dos portões abrirem para os alunos entrarem, já havia agitação pelos lados do estabelecimento Felizardo & Glorinha. O Xavier, que vinha de fora e chegava quase sempre atrasado, tinha o primeiro tempo de aula no estabelecimento comercial. Ti Glorinha, quero isto…quero aquilo…. E a senhora Glória, uma espécie de secretária do Conselho de Administração da firma, despia a sua farda de comerciante e vestia a sua bata de Mãe. Era uma mulher fantástica, que tinha no rosado da face a grandiosidade das mães e na sua voz firme, o olho posto no lucro, característica dos grandes comerciantes. Foi sempre uma profissional empenhada, que defendeu e bem o seu negócio e que ainda teve tempo para nos dar um pouco do seu coração e educar-nos com firmeza e atitude. Uma grande mulher.

O portão para a entrada dos rapazes, era na parte de cima da Escola e entravamos por aí, na zona onde ficavam as oficinas e, se tínhamos trabalhos oficinais, ficávamos logo por ali, caso contrário, vínhamos para as aulas em sala, descendo as escadarias, passávamos ao lado do Ginásio e dávamos os bons dias ao senhor Armando, um contínuo baixote que estava destacado aí e usava um bigode preto escuro carregado, e era amigo da rapaziada.

Bons tempos, aqueles, em que nada vala mais do que ser jovem.

No primeiro ano, pedi para ir para as oficinas de carpintaria, porque não tinha muito jeito para trabalhar o ferro e mesmo assim vi-me grego para fazer o cubo em cartolina. Depois fazer o porco em madeira foi outra carga de trabalhos.

Eu, que vinha do campo e trazia uma distinção no exame da quarta classe, não me entendi muito bem com a cidade e com a Escola e isso reflectiu-se nas notas do primeiro período, que foram tão más que nem as digo aqui. Mas desse primeiro ano, recordo uma vez que o Mestre Guerreiro me chamou e disse: toma lá dinheiro e vai comprar um maço de cigarros Português Suave. E ouve bem, não me apareças cá sem tabaco.

O Mestre, não sei se se lembram disso, andava sempre acompanhado de um rolo de cartão. E nesse dia eu não consegui encontrar o tabaco mas encontrei o cartão a deslizar pelas costas abaixo.

Entendi isso como um gesto carinhoso e amigo.

E hoje entenderia da mesma forma meu velho MESTRE. Com o senhor aprendi a outra face da vida e por isso lhe deixo um abraço forte, extensivo a todos os meus Mestres.
Deixo-vos com saudade.

João Brito Sousa