sexta-feira, 26 de novembro de 2010

LANÇAMENTO DE LIVRO

VILA  ADENTRO
O Espirito do Lugar

Hoje, 26 de Novembro de 2010, pelas 18 horas, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Faro, sessão presidida pelo Presidente Engº Macário Correia, foi apresentado o livro Vila Adentro - O Espirito do Lugar. Uma edição da Escola Secundária de Tomás Cabreira. A obra apresentada é da coordenação das Professoras Rosa Trindade e Dulce Bulha, com desenhos artisticos e fotografias dos alunos do Curso Cientifico-humanistico de Artes Visuais dos 11º e 12º anos e da professora Dulce Bulha.
O Design Gráfico - Pesquisa Histórica - Textos de Toponímia pelos alunos do 12º ano e Professoras Rosa Trindade e Dulce Bulha.
Um belo livro com capa e contra capa da autoria destas duas Professoras.

A mesa

O livro

Pormenor
"Andei na escola primária, junto da judiciária, na rua Rasquinho, a antiga rua dos Cónegos.
No nº 23 viviam as condessas, num palacete côr de rosa, com a inscrição do ano 1881, no ferro e no mármore."
Madalena Guerreiro
O palacete côr de rosa 
Desenho: Filipa Martins

Colocado por Rogério Coelho

OUTROS AUTORES

Vinte Cinco a Sete Vozes - 5ª Voz

Alice Vieira

Olhe que foi mesmo por acaso! Quando saí de casa, nem pensava em passar por aqui. Mas depois tive de ir ali ao Montepio levantar a minha pensão, e lembrei-me de dar uma palavrinha ao Paulito. Para mim ele há-de ser sempre o Paulito... Olhe que foi dos melhores alunos que eu tive! Uma pena não ter continuado a estudar, uma pena! Se fosse hoje, nada disso tinha acontecido, mas naquele tempo... E eu lembro-me que a família dele passava muitas dificuldades, o pai ora estava empregado ora desempregado, e além disso sofria do coração, havia dias que quase nem se podia mexer. A gente bem lhe dizia para ele ir ao médico, mas onde é que havia médico, e onde é que havia dinheiro para médico. «Isto é tudo nervos», dizia ele. Só quando morreu é que se soube que era do coração que sofria.
Mas então a nossa conversa vai ser sobre o 25 de Abril de 1974, não é? Nessa altura eu já não estava na escola onde o Paulo andou, tinha sido colocada mais cá para baixo, numa aldeia chamada Vale de Mu, lá para a serra do Caldeirão. Aquilo era uma terra onde não havia nada, nem vinha no mapa, a escola não tinha condições nenhumas, mas nenhumas! Agora já estou reformada, como deve calcular, mas quando ainda estava no activo e ouvia colegas meus queixarem-se das más condições das escolas onde ensinavam, só tinha vontade de os levar a Vale de Mu para eles verem o que era uma escola degradada. Não que as nossas escolas de agora estejam todas bem, não é isso, mas comparadas com a de Vale de Mu são o paraíso! Se calhar essa escola hoje até já nem existe, se calhar até já fechou, como tantas por esse país fora.
Como já referi a escola não tinha nada. E quando eu digo nada, é nada mesmo. Olhe que nem sequer o retrato do Américo Tomás e do Marcelo Caetano ela tinha! A menina é muito nova, e se calhar não sabe estas coisas, mas antes do 25 de Abril todas as escolas primárias... Agora elas já não se chamam assim, acho que se chamam escolas do ensino básico, mas para mim continuam sempre a ser escolas primárias! Mas dizia eu que todas as escolas tinham na parede o retrato do presidente da República e do presidente do Conselho. Eu ainda apanhei escolas com o retrato do Carmona, depois o Carmona morreu e veio o retrato do Craveiro Lopes, que foi o presidente a seguir, e depois o do Américo Tomás, que foi o que esteve até ao 25 de Abril, como a menina sabe. Ao lado do retrato do presidente da República, estava sempre o retrato do Salazar, que foi presidente do Conselho mais de quarenta anos. Um dia, em 1969, como a menina também deve saber, o Salazar caiu de uma cadeira abaixo, bateu com a cabeça no chão e teve de ser substituído pelo Marcelo Caetano, que ficou até ao 25 de Abril. Isto em traços muito largos, claro, porque pelo meio houve histórias e mais histórias, mas agora não vêm ao caso.
Pois lá em Vale de Mu nem o retrato do Marcelo Caetano nem o do Américo Tomás havia. Nem isso, que o Ministério queria sempre que não faltasse, para os meninos saberem logo de pequeninos quem é que mandava em todos!
Não é que os retratos dos homens me fizessem falta, quanto menos olhasse para eles, melhor. Mas isto é só para a menina ver como aquela escola era desprezada. Olhe que não havia um pau de giz! Nem sequer o mapa de Portugal! Eu queria dar aritmética e geometria, e nem uma caixa com os pesos ou com as figuras geométricas lá havia, como havia noutras escolas. Nada. O que se chama nada.
Então eu, pacientemente, escrevia todos os meses uma carta ao Ministério e explicava que a escola não tinha material, e sem material como é que eu podia ensinar as crianças, e lá dizia também, para ver se os comovia, que a escola nem os retratos do senhor presidente da República e do senhor presidente do Conselho tinha nas paredes, e que era uma vergonha para o país uma escola naquele estado, santo Deus.
E do Ministério, nada. O silêncio mais completo.
E lá vinha outro mês, e lá voltava eu a escrever para o Ministério, a mandar ofícios, a fazer pedidos a toda a gente – e do Ministério apenas o silêncio.
Foram anos terríveis. Eu já não sabia como inventar maneiras de ensinar os miúdos. Já viu como é que se ensina Geografia de Portugal sem um mapa? Ensinar-lhes as serras, os rios, as linhas de caminho-de-ferro – sem lhes mostrar no mapa onde ficavam? Coitadinhos, eles sabiam tudo de cor, mas não faziam a mínima ideia onde é que tudo aquilo era! E o meu ordenado, claro, tão pequeno que nem dava para pagar o material do meu bolso. Ainda paguei muitos paus de giz, e um apagador para o quadro, e alguns cadernos para aqueles que não tinham mesmo possibilidades nenhumas, mas não podia ir muito além disso. Tinha dois filhos para criar, e fiquei viúva muito cedo, como o Paulo lhe deve ter dito. A vida era muito difícil também para mim.
Mas nunca desisti. Todos os meses lá ia a carta para o Ministério. Isto durante anos! Só em selos devo ter gasto uma pequena fortuna!
Até que um dia, já eu desesperava de tudo, aparece-me junto da escola uma carrinha, a trazer, finalmente, material que o Ministério mandava. Só não deitei foguetes porque não os tinha, mas senti-me rebentar de felicidade. Até que enfim eu ia poder ser uma professora a sério! Estava tão feliz, mas tão feliz, que nem estranhei a pressa que o chofer tinha em despachar aquilo, e nem liguei, quando ele disse que em Lisboa tinha havido qualquer coisa esquisita, tinha encontrado muita tropa na rua quando de lá saíra, e aquilo não lhe parecera normal.
Acho mesmo que nem ouvi bem o que ele disse. O que eu queria era abrir os pacotes, ver o material, colocá-lo na sala, e poder dar, finalmente, uma aula decente às crianças.
A menina até pode nem acreditar, porque esta história parece mentira, mas juro que foi assim mesmo que aconteceu: a senhora Aurora, que era quem limpava a escola, a chegar ao pé de mim e a dizer que na rádio se falava de uma revolução, de um Movimento das Forças Armadas que tinha ido prender o governo todo, e eu a abrir os pacotes cheia de alegria, e a dar de caras com os retratos do Américo Tomás e do Marcelo Caetano! Nem um pau de giz, nem um mapa, nem formas geométricas, nada de nada, a não ser os retratos daqueles dois para pendurar na parede. A senhora Aurora, coitada, aflitíssima, «senhora Professora, há uma revolução em Lisboa!», e eu a olhar para os retratos no chão e a pensar, «e agora, o que é que eu faço com estes dois?»
Ainda hoje, que já se passaram 25 anos, de cada vez que vejo, na televisão, documentários sobre o 25 de Abril, com o chaimite que levou o Marcelo Caetano e o Américo Tomás do Quartel do Carmo, só me lembro do retrato deles, no chão, à entrada da escola, e do meu espanto no meio de tudo.

IN Alice Vieira - Vinte Cinco a Sete Vozes
1999

Colocado por Rogério Coelho

CANTINHO DOS MARAFADOS

O Azeiteiro e o Burro
Adaptado por Adolfo Coelho


Dois estudantes encontraram, numa estrada, um azeiteiro com um burro carregado de bilhas de azeite. Os estudantes estavam sem dinheiro; por isso, decidiram roubar o animal. Enquanto o pobre homem seguia o seu caminho, um deles tirou a *cabeçada do burro e colocou-a no pescoço. O outro estudante fugiu com o animal e a carga. De repente, o azeiteiro olhou para trás e viu um rapaz em vez do burro.
Nesse momento, o estudante exclamou: «Ah! senhor, quanto lhe agradeço ter-me dado uma pancada na cabeça! *Quebrou-me o encanto que durante tantos anos me fez ser burro!...» O azeiteiro tirou o chapéu e disse-lhe: «Afinal, o meu burro estava enfeitiçado! Perdi o meu *ganha-pão! Peço-lhe muitos perdões por tê-lo maltratado tanta vez - mas que quer? - o senhor era muito teimoso!»
- Está perdoado, bom homem! - disse o estudante. O que lhe peço é que me deixe em paz.
O pobre azeiteiro lamentou-se porque já não podia vender o azeite. Então, foi pedir dinheiro a um compadre para ir à feira comprar outro burro. Quando lá chegou, viu um estudante a vender o seu burro. O azeiteiro pensou que o rapaz se tinha transformado, outra vez, num animal! Aproximou-se do burro e gritou com toda a força: «Olhe, senhor burro, quem o não conhecer que o compre».

IN Conto Tradicional Português - recolhido por Adolfo Coelho
Glossário
*cabeçada do burro (pop.). Peça de couro que se coloca na cabeça deste animal para o obrigar a seguir em frente.
*Quebrou-me o encanto (pop.). Expressão que significa interromper um efeito mágico, um feitiço.
*ganha-pão (pop.). Meio de subsistir e de viver.

Colocado por Rogério Coelho