DUALIDADE
"Temos todos que viver uma vida que é
vivida e outra vida que é pensada"
Temos de facto duas vidas, como escreve Fernando Pessoa no
seu poema em epígrafe.
A nossa vida vivida é simples, é a que é. A nossa vida
pensada, dá-nos a sensação de que o mundo é nosso, com um sentimento de insatisfação
e muita pressa de viver. É uma vida mais delicada, com os nossos sonhos
sonhados, o que somos e o que não somos, o que gostaríamos de ser com
pensamentos, desejos e quereres. Ao contrário da vida vivida é um grande mundo,
cheio, vivo, imbuído de esperança e de ilusões. Pensamos em coisas que não
conhecemos, que não sabemos e alimenta a vida vivida. Pensamos ter certezas e
sentimentos sobre coisas que não vivemos...
A vida vivida é ou pode ser um parasita que se alimenta da
vida pensada. É preciso ter cuidado, não deixar que a vida pensada se
sobreponha à vivida porque para todos os efeitos, a vivida é a que
verdadeiramente vale e é a nossa.
Verdade absoluta essa dualidade!
Ser e/ou estar, pensar e/ou imaginar. Intensões reais ou previsões
oníricas? Na vida vivida uma pessoa insiste nessa dualidade quando diz "O
amor romântico é como um traje que, como não é eterno, dura tanto quanto
dura". E sob a veste do ideal que pensamos, se esfacela, surgindo o corpo
real da pessoa humana, com que o vestimos. O amor romântico vivido é, portanto,
um caminho da desilusão. Só o não será quando decide variar de ideal nas oficinas
da alma com novos trajes.
E assim será fácil descobrir que um sonho realizado é como um
saboroso doce dentro de um recipiente de vidro difícil de abrir e que,
descuidadamente, escorrega e se esborracha no chão, partindo-se em partículas
diferentes, deixando a ilusão de um trago amargo por não ter tempo de ser
saboreado. Diga-se a bem da verdade, que é um sentimento estranho e frustrante.
De um momento para o outro encontramo-nos num deserto,
perdidos em pensamentos a tentar desatar as cordas com que nos prendemos
A única atenuante é saber que acontece com qualquer um e que,
aquela máxima "quem não se sente não é filho de boa gente" poderá
ser mesmo verdade, e isso nos faz sentir um pouco melhor. Pelo menos somos "boa
gente" e temos todos que viver uma vida que é vivida e outra que é
pensada, tomando como extrato o poema de Fernando Pessoa.
Os sentimentos e os pensamentos são “bicharocos” estranhos
que nos condicionam os comportamentos. Pior ainda são algumas das reações que
conseguimos ter quando nos sentimos condicionados. Para cada um desses
comportamentos e/ou reações há sempre explicações abraçadas a mil e uma
desculpas esfarrapadas e sem nexo.
É assim que o ser humano chega a ser patético. Mas, mesmo
sonhando a vida, o que é necessário real e importante é a vida vivida, o resto…
Outubro 2014
Rogério Coelho
Rogério Coelho
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